Sobre a Pena de Morte
“Mas, se alguém ferir uma pessoa com instrumento de ferro, e essa pessoa morrer, é homicida; o homicida será morto” Números 35:16
Tratar do assunto pena de morte é entrar em terreno perigoso, porque causa muita discussão. Mas creio que podemos identificar algumas pistas na própria Bíblia que podem nos ajudar a pelo menos alimentar um pouco a nossa mente para que tenhamos uma direção.
Em primeiro lugar, a questão do vingador de sangue, que está também sendo tratada neste capítulo, era algo comum naquela sociedade que foi normatizada por Moisés. Com o avanço da história da humanidade e também da progressão da revelação bíblica, essa figura foi sendo extinta a ponto de não mais ouvirmos falar dele nos escritos do Novo Testamento. Encontramos sim a figura do resgatador que nos dá refúgio e perdão que é expresso de forma máxima em Cristo.
Algumas situações nos tempos do Antigo Testamento eram trazidas para os sacerdotes que assim julgavam se a pessoa deveria morrer ou não. Mas nunca sem provas e com o depoimento de pelo menos duas testemunhas. Deuteronômio 19.15 diz que “Uma só testemunha não é suficiente para condenar uma pessoa de algum crime ou delito. Qualquer acusação necessita ser confirmada pelo depoimento de duas ou três testemunhas idôneas”.
Mais tarde no Novo Testamento, o Apóstolo Paulo vai reconhecer que o Estado tinha a prerrogativa (concedida por Deus) para aplicar a pena capital. Ele vai dizer: “Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.” (Rm 13.4).
Em vista disso, podemos pensar em alguns aspectos que podem servir ainda mais para uma reflexão que espero que evoluam de forma progressiva:
Em primeiro lugar, não podemos afirmar com segurança completa que uma nação que use a morte como forma de pena esteja agindo de forma contrária a Deus. Não há uma proibição clara nesse sentido.
Mas, em segundo lugar, também não há nenhum registro bíblico que possamos tomar hoje como princípio ou mandamento orientando a pena de morte. Da mesma forma que não há uma proibição clara, também não há uma ordem clara para tal prática. Assim, não podemos afirmar de maneira honestamente convicta que Deus deseja tal coisa. Não vemos tais ensinamentos sendo ministrados pelos Apóstolos. O que Paulo faz é reconhecer a autoridade que Deus deu ao Estado para castigar os maus e dar benefícios aos bons. O contexto de dominação romana que viviam era de muita injustiça e corrupção, mesmo assim Paulo estava defendendo a autoridade do Estado dada por Deus, não importando o quanto errado procediam. Até naquilo que ferissem os princípios bíblicos, deveria haver uma discordância respeitosa, mesmo que isso levasse à morte – como aconteceu com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego em Daniel 3.
Em terceiro lugar, precisamos considerar as posturas de Deus e de Cristo quando confrontados com situações que envolviam a aplicação da pena de morte. Em 2 Samuel 11, Davi cometeu adultério e provocou conscientemente um homicídio. Tais atos faziam com que ele merecesse a morte tal qual a lei mosaica exigia. Mas Deus usou de misericórdia e perdoou Davi após ele ser confrontado pelo profeta Natã. Ele sofreu consequências terríveis pelo que fez, mas não foi morto.
Em outro momento, foi trazida a Jesus uma mulher que foi pega em adultério. Isso está registrado em João 8. O seu pecado a tornava digna de morte. Jesus confrontou os seus opositores mostrando que também eram pecadores e, perdoando a mulher disse: “vá e não peques mais” (João 8.11).
Através desses exemplos, parece que Deus e Cristo se unem para nos mostrar que a nossa justiça sempre precisa ser mesclada com misericórdia. Isso nos leva para a quarta e última consideração.
Em quarto lugar, todos nós, salvos em Cristo Jesus e pertencentes a uma igreja, em determinada época éramos merecedores da pena capital. O Novo Testamento vai nos ensinar que já estávamos condenados. Na realidade desde Adão a morte é uma realidade para todo o homem: “No suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, pois dela você foi formado; porque você é pó, e ao pó voltará” (Gênesis 3:19). A condenação à morte devido ao pecado está manifestada de forma evidente em Romanos 6.23a, quando diz que “o salário do pecado é a morte”. Se não fosse a obra de Cristo na cruz tomando sobre si a nossa pena, seríamos alvos da ira justa de Deus nos condenando à morte eterna. Por isso, a tônica do Novo Testamento é a maravilhosa graça de Jesus demonstrando a misericórdia de Deus.
Concluindo, conforme mencionado no início, não é um assunto fácil; e olha que não foram abordadas questões como crimes hediondos e erros judiciários. Mas a proposta era trazer uma reflexão que nos levasse a considerar o assunto sobre a ótica da misericórdia. Que em tudo, sejamos mais graciosos. Se errarmos buscando manifestar graça e misericórdia, pelo menos não estaremos pecando.